terça-feira, 26 de março de 2013

HORA DE DORMIR(PT}10 O FINAL



Isso até que eu entrei em minha casa e encontrei um grande rasto de pegadas molhadas da porta da frente de casa até minha cama.

A descrença tomou conta de mim. O desespero foi tão grande e tão forte que eu sou incapaz de transmiti-lo com palavras. Ele estava deitado em minha cama, esperando, um lençol branco cobrindo seu corpo magro.

A mente humana é uma coisa maravilhosa. Assim como você acredita que seu corpo chegou ao um nível de exaustão tão alto que não conseguirá se recuperar, que suas emoções estão tão desgastadas que você mal pode continuar, nasce um pensamento milagroso da sua cabeça cansada.

Deixe-o descansar, por enquanto.


Silenciosamente andei vagarosamente pelo escuro e peguei minha carteira que eu tinha deixado em uma pequena mesa de café no centro da minha sala de estar. Deixando a porta destrancada, eu sai tentando fazer um novo plano e voltei uma hora mais tarde. Depois do meu momento de preparação eu entrei no quarto de hospedes. Lá eu me deitei na cama imaculada, esperando. Eu tinha certeza que esse era o fim do jogo, que em vez de brincar comigo, dessa vez ele estava lá para me matar de vez. Como ele tinha escapado da "sepultura" eu não sei, mas eu estaria ferrado se ele fugisse novamente. A única coisa que eu podia esperar era que ele me sentisse do outro lado do quarto.

Fechei meus olhos fingindo que eu estava dormindo pesadamente. O tempo passou rapidamente e mesmo que eu tenha lutado contra, a exaustão me venceu, até que eu realmente dormi profundamente.

Acordei com mãos em volta do meu pescoço. Ele tossia e engasgava em cima de mim, com um líquido rançoso e negro escorrendo de seus ferimentos faciais. Lutei mesmo com a falta de ar esperando que eu tivesse a força em mim para escapar dele, mas ele era muito forte e minhas mãos não conseguia segurá-lo, pois ele estava escorregadio e molhado pelo que parecia ser pelo seu mergulho no lago.

Pode não ter parecido racional no momento, mas com minha visão escurecendo e com a última luz da minha consciência ainda dentro de mim, eu fiz como tantos animais fazem em seus últimos momentos, eu me fingi de morto.

Deitado lá sem me mexer, segurando minha respiração, ele me sacudiu violentamente pelo pescoço e depois me soltou. Esperei meu momento, minha última chance de destruir aquela coisa. Sua respiração ofegante relaxou um pouco e parecia estar olhando pra mim zombeteiramente.

Ele ficou inclinado sobre mim, cheio de desdém. Ele reuniu o máximo de saliva que sua boca pode aguentar, e então, mostrando o máximo de desprezo que tinha tanto pelos vivos e pelos mortos, cuspiu o seu líquido purulento em meu rosto, o resto ainda escorrendo pelos buracos que tinham em sua mandíbula.

Eu queria gritar, fazer qualquer coisa para tirar aquela gosma nojenta da minha pele, mas eu não arriscava me mover; essa não era a hora certa. Se aproximando mais ainda, ele cutucou a ferida no meu ombro, a dor se espalhou por todo o meu corpo. Com toda a resistência que a inda tinha, não me mexi.

Então, lentamente e pacientemente ele deslizou dois dedos longos pela minha boca. O gosto era amargo, rançoso, podre, morto. O estalar de seus dedos como se tivesse artrite fez eu pensar se aquilo que eu fazia era o certo. Ele arqueou as costas alegremente, e de repente empurrou seus dedos fundo na minha garganta.

Engasguei, uma reação instintiva.

Em vez de ficar chocado, um riso trincado emanou através de seus dentes quebrados, e então empurrou mais profundamente seus dedos em minha boca. Eu senti sua carne fria e dura raspando interior da minha garganta sem poder dizer nada para que ele parasse; como se isso de alguma forma fosse adiantar.

Nos nossos momentos mais obscuros, às vezes encontramos a nossa verdadeira força. Eu rolei para o lado e com o peso dele me ajudando, finalmente consegui me libertar. Eu caí no chão. Com o longo alcance que ele tinha ele agarrou meus pés, e eu chutei e gritei e, finalmente me vi livre. Ele olhou pra mim, só por um momento. Subindo em cima da cama, seus ossos quebradiços estalando por conta de sua própria força, ele estava agora de pé, alto e magro, pronto para me atacar.

Desde criança eu tinha sido a vítima. Tinha me aterrorizado, tirado a inocência de mim, atacou Mary e destruiu minha vida.

Eu não aceitaria mais isso.

Às vezes, a presa mais perigosa é a única que pode te despistar, aquele que pode te acalmar em uma falsa sensação de domínio ou de superioridade, aquele que nunca teve nenhum medo de você. Ele tinha caído numa armadilha, uma concebida pela lógica, a razão, e uma compreensão do mundo através dos olhos de alguém criado no meio da ciência.

Fogo purifica tudo.

Enquanto ele gritava, gemia, se contorcia preparando-se para me atacar, e eu um movimento rápido eu levantei um cobertor que estava no chão revelando um balde com gasolina que eu havia comprado no curto espaço de tem que estava me preparando para esse momento. Eu joguei o máximo que eu podia, o liquido se espalhando por todo aquela aberração em cima da cama. 

Ele sorriu para mim, zombando da minha própria existência, fazendo graça minha dor e a agonia que tinha me causado.

Do meu bolso tirei um isqueiro, o acendi, e joguei contra aquele miserável. Ele se contorcia e gritava em agonia, parte de sua carne desprendendo de seu corpo, virando cinzas na frente dos meus olhos. Eu quase senti pena dele.

Que queime!

O fogo ficou fora de controle, felizmente um vizinho ouviu os gritos e viu a fumaça, chamando os bombeiros. Eu não consigo me lembrar de como escapei.

Passei varias horas no hospital sendo tratado por inalação de fumaça e queimaduras em minhas mãos. Ainda dói quando eu escrevo, mas como a maioria dos ferimentos superficiais, esses também vão sarar. Talvez haja algumas cicatrizes, mas eu posso viver com isso.

A policia me prendeu logo depois que fui liberado do hospital, acreditando que eu era um assassino. Eles suspeitavam que eu tinha matado alguém no incêndio e acharam suspeito demais o ferimento profundo no meu ombro e os arranhões em meu corpo. Me foi dito para não ir muito longe caso eles queiram me perguntar mais alguma coisa, mas podem perguntar o que quiser, duvido que acreditem em minhas respostas. Eles não encontraram restos, ou qualquer evidencia de que alguém estivesse lá além de mim, além de um estranho esboço de uma figura gravado profundamente na cama e na parede. Parecia que qualquer coisa que estivesse lá tentou uma fuga, mas acho que não conseguiu.

Um peso já foi tirado de meus ombros, um que eu agora sei que sempre esteve lá desde minha infância. Acredito que aquela coisa tinha um certo efeito sobre mim, mesmo de longe. E agora que se foi, eu me sinto inteiro novamente.

Eu estou arrasado mesmo é por ter perdido Mary, e o resto da minha casa pode ser demolida e provavelmente vou ser acusado de incêndio criminoso quando começaram a investigar o que começou o fogo, o que significa que eu posso dar adeus a qualquer reivindicação de seguro.

Minhas mãos doem, assim como meu ombro, mas meu espírito não. Eu estou escrevendo isso direto de um quarto de hotel, ele é pequeno e despretensioso, mas ele vai servir pro meu propósito. Hoje a noite eu pretendo dormir e sonhar, como eu fazia quando criança, antes daquele maldito aparecer na minha vida.

Eu acredito que foi a minha racionalidade que me salvou, meu pensamento lógico que permitiu que eu exterminasse um mal tão forte, mas eu nunca vou poder fugir da conclusão de que há muito mais além do que se vê, do que se sabe. Existe um mundo que eu vi, e que eu não me importo de rever, mas hoje à noite eu vou descansar e amanhã vou construir minha nova vida com a confiança que o meu hóspede indesejável se foi para sempre. Eu posso sentir!

Levará algum tempo para me ajustar e talvez a minha mente brincará uma ou duas vezes comudo por esse longo caminho, pois é difícil abandonar uma paranoia que se teve a vida toda. Eu preciso aprender a aceitar o que é ter segurança de novo. Recuso-me a olhar por cima do meu ombro para o resto dos meus dias, mas serei sempre cauteloso, como quando hoje de manhã na cama do hospital quando eu achei que tinha sentido uma vibração estranha, mas eu sei que era apenas a minha imaginação.

Eu estou contente por ter escrito as minhas experiências, o que me iluminou muito sobre mim mesmo, e  que se alguém se encontra, que Deus me livre, na mesma situação que eu estive, talvez saberá o que fazer.

Agora é hora de dormir, e eu tenho que descansar pois nunca havia sentido um cansaço tão grande como esse.

Boa noite, e durmam bem...

FIM

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HORA DE DORMIR (PT)9

Estou tremendo enquanto escrevo isso. Eu fui liberado pela policia duas horas atrás, e eu sou obrigado a registrar os acontecimentos para lembrar dos eventos que ocorreram rapidamente do dia para a noite. Em alguns aspectos eu quero esquecer, mas eu sei que eu não posso, eu sei que eu não devo. Para minha própria sanidade eu tenho que divulgar o que aconteceu, pois é muito importante. Devo sempre me permitir a ser levado pela natureza, pela mecânica racional  do mundo, mais uma vez, essas palavras devem servir para lembrar-me do que o que é invisível é misterioso e assustador.

Depois que Mary foi embora, eu sabia que eu tinha perdido ela para sempre, mas antes de ser consumido pela depressão e pela falta de ação, eu estava me revigorando para um propósito, por um pensamento, por uma ideia que eu sabia que tinha de ser realizada.  Eu tinha que destruir a coida, porque eu não podia dar a chance de algum dia ele vir a machucar mais algum ente querido meu, ou profanar a inocência de outra criança;

Eu também sabia que eu tinha enfrentado a morte, mas o sentimento de que eu já havia perdido tudo, aquilo era um pequeno preço a ser pago. Diz-se que a vingança é um prato que se come frio mas eu tinha esperado toda a minha vida adulta para me livrar daquela coisa, da sua memória e da sombra que tinha lançado sobre mim. Eu conhecia proposição de matar esse demônio, essa força pervertida e corrompida; e faria com um sorriso na minha cara.

Naquela noite ele morreria, mesmo que eu tivesse que arrasta-lo para o inferno comigo.

Me ocupando pelas horas seguintes, eu arrumei um saco e escrevi uma carta pata Mary e minha família explicando o que tinha acontecido e que eles não eram culpados. Eu liguei para minha mãe e pai, então meu irmão, apenas para ouvir a voz deles uma última vez, mas eu não me prendi no pensamento que talvez fosse a ultima vez que falaria com eles. A intuição de minha mãe fez a perguntar se estava tudo bem, eu sorri e disse que a amava antes de dizer, relutantemente, adeus.

Por volta das 19h eu fui para o carro. O sol já tinha se posto, e a rua parecia estranhamente vazia e quieta, como se fosse acena de um funeral autônomo. Sentei-me no banco do motorista, deixando a porta do carona aberta, esperando meu passageiro indesejável.

Por volta das 21h nada fora do comum tinha acontecido, o local permanecia abandonadoe o ar frio da noite que fluia pela prota aberta estava começando a encomodar. Enquanto sentado lá, muitos pensamentos passaram pela minha mente.  Eu comecei a refletir sobre a natureza do parasita cadavérico. Uma pergunta surgiu entre um mar possibilidades, elevando-se acima de todas outras, imóvel e continua:

"Você pode matar algo que já está morto?"

Eu não sabia se a coisa tinha saído de um túmulo, oi era um fantasma de outro plano que podia ser considerado "vivo" de alguma forma, mas quando  eu estava começando a reavaliar meu plano, ele chegou.  Foi súbito de primeira, mas houve uma pequena mudança, um movimento quase indistinguível na suspensão do carro. Se tivesse sido por qualquer outra circunstancia eu nem teria notado, mas eu estava muito familiarizado com esse sentimento por todos aqueles anos, de como o beliche mudava um pouco quando a coisa subia para a cama de baixo. Eu sabia qual era o seu cartão de visita. O ar ficou mais denso como se tivesse sido contaminado por algum cadáver próximo.

Estava no carro comigo, invisível ao meus olhos, mas pelo menos estava lá. Quando ouvi o menor da respiração sussurrada vinda do banco de trás, inclinei-me lentamente e fechei a porta do carona. Eu virei a chave da ignição e arranquei o carro pela rua, e eu pude jurar que ouvi um risinho tranquilo, como se zombasse de mim.

Será que ele sabia o que eu estava planejando?

Nosso destino não era longe. Ocasionalmente, pelo caminho, eu podia ouvir algo vindo de trás, mas eu me recusava a olhar apara aquela coisa no escuro. Paciência; não demoraria muito para eu confrontá-lo.  

A ironia me bateu, eu estava tentando assustar a coisa que havia me aterrorizado e torturado por anos quando criança. Eu tinha ser invulnerável e dirigir com cuidado+ e com calma pelo campo, inundado pela escuridão, esperando que meu passageiro sobrenatural não suspeitasse de mim.

Eu cheguei.

As rodas do carro se forçaram e deslizaram pelo mato baixo conforme eu avancei pela estreita estrada do campo.  A paisagem foi se revelando enquanto eu avançava e quando eu olhava para aquelas árvores podre e o lugar vazio ao meu redor, eu percebi que tinha sido apropriado ir para um lugar tão sem vida quanto a coisa que eu pretendia destruir.

O terreno acabou bruscamente; um paredão de uma antiga pedreira que formava um alto precipício, diretamente para as águas profundas e negras de um lago logo abaixo. O terreno do precipício era relativamente plano e havia sido de fato uma estrada  para o lago décadas atrás. As crianças locais contavas histórias sobre os fantasmas vingativos dos que morreram durante a subsidência., mas eram apenas histórias. Ou talvez não eram. No passado eu não daria crédito a esse tipo de histórias, mas se eu contasse a minha agora, quem daria crédito à mim?  

Eu desliguei o motor e estacionei muitos metro de distância do precipício, desligando também qualquer luz e me preparando para o que aconteceria. Fiquei sentado no carro pelo o que pareceu ser uma vida inteira, tendo por companhia apenas o som ocasional das águas do lago lá embaixo.

Eu esperei.

A coisa era esperta, sobre isso eu não tinha dúvidas. Havia brincado comigo, levando em consideração a dor e o tomento que havia me causado, só podia ter sido executado por uma mente fria e calculista.  Por esse motivo eu achei que a coisa desconfiaria de mim, e talvez até fugisse se eu levasse o carro mais perto do precipício; eu devia espera-lo me atacar, deixa-lo se alimentar e se divertir com a minha dor e, talvez, na sua distração não notasse que eu empurrava lentamente o carro para as frias e profundas águas do lago abaixo.

Eu iria afogar o bastardo.
Calculei as consequências em minha mente e percebi que só haveria uma pequena chance para me jogar para fora do carro antes que ele caísse no precipício. Mary e eu costumávamos ir ali as vezes. Um lugar para se estar juntos longe de tudo e todos e não se parecia tão sinistro assim durante um dia de verão. Naturalmente, eu tinha o lugar em minha cabeça por conhecê-lo tão bem. A queda era de no mínimo de 15 metros até as profundezas das águas, e eu não gostaria de estar dentro do carro junto com a coisa quando o carro afundasse lá.

Eu esperei.

Então ei ouvi. Lento no começo, e então aumentando o volume e o ritmo, um respirar frio e baixo vindo do banco de trás. Estranhamente, soava mais forçado do que antes. Cada respirar uma luta, cheio de fluídos, podre e decaído. Um arrepiou desceu por minha espinha. Um cheiro terrível e pesado pairou no ar.

A respiração se aproximou por trás.

Meu coração acelerou, batendo rápido e forte quando viu o para-brisa do carro começar a gelar por dentro. Eu podia ver minha respiração, algo natural de fato, mas o que era estranho era que a respiração estava vindo do lado do meu rosto. Eu me virei lentamente, querendo chorar, e sair, correr noite adentro, mas eu tinha que ficar, eu não podia deixa-lo escapar.

Estava sentado no banco do carona.

Eu estava o encarando, e ele fazia o mesmo. Curvado na escuridão, contorcido, magrelo, suas mãos pareciam estar lutando contra atrofiação, lentamente se moveu em minha direção. Uma perna  esquelética estalou e deslizou sobre meu colo, seguida da outra.

Ah, Senhor! Ele estava sentando em mim!

Puxou-se para perto de mim e por um fino feixe de luz providenciado pela lua, pude ver seu rosto. A pele se desprendia de suas feições disformes. Olhos como vidro olhavam profundamente em minha alma conforme um sorriso tomava conta de seu rosto, anormalmente grande com o resultado da carne apodrecida, expondo músculos podre, dentes quebrados, e tendões esticados para baixo de seu sorriso rançoso.

Aproximando-se, ele abriu a boca revelando uma língua molhada e pútrida que podia ser vista através de partes de sua mandíbula que estava faltando.  Respirando pesado e ofegantemente, um cheiro terrível faziam meus olhos lacrimejarem entrou pela minha boca fazendo meu corpo se contorcer, meu corpo tentando expulsar os gases venosos, e enquanto eu fazia ele parou por um momento, e riu para si mesmo, satisfeito. Olhando para seus olhos gélidos, eles ainda me passavam a impressão de um homem velho aflito e fraco. Era incrivelmente forte, mas parecia ter perdido grande parte de seu poder.

Talvez, ter deixado o quarto estreito tinha afetado-o de algum jeito?
Seus longos e proeminentes dedos se insinuaram em direção de me rosto e, mostrando sua intenção, colocou um de seus dedos fundo em meu ombro. Gritei enquanto o apodrecido demônio  torcia e movia seu dedo dentro de mim, causando o máximo de dano e dor que podia. Conforme sua outra mão deslizava por meu corpo abaixo.

Ele me tocou.

Era a hora. Com meu braço livre eu liguei a ignição e pensei que mesmo com meu braço preso e machucado poderia lutar contra a dor, colocar o carro para rodar, e sair de lá o mais rápido que eu pudesse.

A criatura se agitou e gritou, e tentou pular para o banco de trás, mas o segurei com toda a minha força, a lembrança do que ele tinha feito com a minha Mary era o suficiente para alimentar a minha raiva. Aceleramos na direção do precipício e eu fiquei olhando para a porta do motorista freneticamente. Quando nos aproximávamos do nosso gélido mergulho, gritei em raiva para seu rosto rançoso e o empurrei para longe de mim.

Ele se jogou para o banco de trás por sua vida e eu destranquei a porta do carro lutando pela minha.

Era tarde demais, o carro caiu do precipício e antes de eu perceber, atingimos a água negra, batendo na superfície da água gelada com uma força tremenda. Eu deveria ter morrido, mas o air-bag sentiu o impacto e conteve a batida. Mesmo assim eu bati minha cabeça na porta.

Tonto, olhei ao redor. O som que eu ouvia vindo da coisa era disforme, mas ainda assim familiar. O guincho de uma criança demoníaca deu lugar a agonia e ódio vindo do daquele demônio ancestral que sabia que tinha quase enfrentado a morte.

A água estava congelante e entrava pela porta retorcida do carro com tanta força que me deixava sem fôlego. Eu lutava por ar assim como o bastardo também fazia.  Ele se contorcia e revirava enquanto procurava por uma saída. Vendo a porta aberta, se empurrou pela água em minha direção.

Cerrei meu punho e soquei a coisa bem no rosto. Pedaços de carne podre voaram sobre o impacto enquanto um líquido negro vazava do ferimento resultante.
De novo ele tentou passar por mim e eu soube que para mantê-lo no carro, por tento suficiente para afoga-lo, eu deveria morrer junto. Senti meu corpo anestesiado quando a água gelada atingiu meu queixo, meu coração lutava conta o frio e de súbito eu afundei segurando a minha última respiração em meus pulmões.

Segurei minha respiração, mas apenas para me preparar para uma gélida e sufocante morte. Esperava que não fosse dolorida. Meus pensamentos retornaram para Mary e minha família, e todo o tipo de tristeza e agonia que já havia algum dia me consumido, tomou novamente conta de mim, mas mantive forças e não permiti que a coisa passasse por mim e chegasse até a porta, segurando e lutando contra seus braços, olhei para baixo e eu vi.

Sua perna estava presa entre um banco e o chão do carro devido ao impacto da queda e, apesar de poder se mexer, não conseguiria sair.

Eu me virei imediatamente para a porta, mal podendo ver um metro a minha frente naquela água negra, mas havia o suficiente de luz vindo da lua para guiar meu caminho. Assim que eu cheguei a porta, o infeliz me agarrou e me puxou de volta para perto dele. Ele havia perdido a esperança de se salvar então queria que eu me afogasse com ele.

Nós lutamos pelo o que parecia ser uma década naquela gelada e amarga sepultura que era meu carro, lentamente afundando e afundando dentro da escuridão do lago. Eu sentia meu corpo implorando por ar, querendo expelir o pouco de ar que ainda havia em meus pulmões e engolir a água gélida.

Eu estou feliz em dizer que usei minha inteligência para sair daquele destino tão horrível. Orientando meu corpo, empurrei meus pés contra o painel do carro com força o suficiente para conseguir, finalmente, escapar das mãos escorregadias dele. Não lembro mais de muita coisa além de ouvir último grito de ódio do meu inimigo que ficou para morrer afogado no fundo daquele lago gelado.

Eu me vi caminhando pelo deserto frio, molhado, mas vivo. O ferimento no ombro me desacelerou, mas eu mantive o sangramento controlado pressionando com a minha outra mão. Levei mais ou menos duas horas para chegar em casa a pé, eu estou surpreso por não ter entrado em um colapso por exaustão oi hipotermia. Quando eu vi minha rua, tão familiar para mim, um sentimento de realização me preencheu. Um sentimento de orgulho e triunfo.

Eu tinha derrotado aquela coisa de uma vez por todas!



HORA DE DORMIR (PT)8

Deus amado, aquilo sabia meu nome! Para mim era como se ele soubesse quem eu era de alguma forma, fazendo assim de mim um alcance ilimitado. Que na verdade eu nunca pude me livrar dele. Que ele poderia me matar a qualquer momento.

Algo de repente chamou minha atenção, um movimento acompanhado de rufar de pano. Eu já sabia de onde se originava aquela rítmica e agitada voz.  Eu já sabia por que estava abafado e difícil de decifrar. Agora eu podia vê-lo, apenas alguns metro de distância.

De pé.

De pé atrás das cortinas.

Lá fora a lua estava em sua ascendência, e enquanto seu brilho não podia penetrar inteiramente o tecido grosso, fracamente, a luz mal podia delinear a coisa entre a minha janela e as cortinas. Eu não posso expressar a estranheza que me dominou, então. Minha ansiedade e o terror tinham aumentado, mas uma compulsão incomum, uma sensação prematura tomou conta de mim.

Eu tinha que ver o que era.

Eu dei mais um passo hesitante em direção às cortinas. A cortina oscilou ligeiramente, como se fosse apanhada por uma brisa, mas eu não podia dizer que se deveras o movimento tinha sido feito pelo vento ou pela mão da coisa que se escondia atrás da cortina.  Eu já estava perto o suficiente para ouvir sua respiração ofegante, o barulho gosmento de algum tipo de líquido vindo de sua garganta a cada inalação

Era isso.

Eu iria confrontar a monstruosidade do meu passado, o atormentador da minha infância, esse maldito covarde. Levantando a minha mão direita vagarosamente, eu acidentalmente toquei o tecido da cortina, causando uma onda súbita que fez o pano se dividir momentaneamente. Eu engasguei. Pelo meio da fenda que se foi feita por apenas um momento, eu o vi.

Meu Deus, como eu posso descrever o que estava lá de pé? Até agora, eu fecho meus olhos rezo para poder apagar isso da minha memória. Aquilo tremeu e se balançou enquanto continuava a murmurar, repetidamente uma frase indecifrável, soando como uma bizarra mistura de várias línguas. Sua pele mole esticada sobre uma estrutura de ossos frágeis e proeminentes; vértebras, costelas e até órgãos internos praticamente salientados através da fina camada de pele, magro, pálido, com núncias de rosa, e parecia como se tivesse uma casca machucada em volta do corpo.  Mesmo parecendo desnutrido, com o estomago distendido e sua aparência ossuda, não diminuía a sensação que a coisa tinha a capacidade de exercer uma tremenda força bruta, para matar qualquer uma de suas vítimas. 

Meu estomago ficou revirado, um cheiro estranho tomou conta do ar, e enquanto a coisa murmurava e sussurrava na escuridão, eu não podia deixar de sentir uma pequena compaixão pelo desgraçado, tremendo na noite, como se fosse vítima da fome por muito tempo.

Rapidamente voltei a razão e percebi que aquilo não era para se ter pena, e sim ser temida. Não para ser entendida, e sim exposta. Não estava tremendo porque estava frio, estava tremendo de excitação, como um drogado ansioso por sua próxima dose.

De pé, contemplando o que eu tinha acabado de ver pelas cortinas, mais uma me preparei para retirar sua proteção e revelar ele pelo o que ele realmente era; um vândalo de coração congelado, um vagabundo do pior tipo, um marginal purulento que queria só o próprio prazer.

Quando eu estava levantando minha mão mais uma vez para mexer as cortinas, algo chamou minha atenção. Seus sussurros confusos que saiam espremidos por aquela boca podre, se tornaram quatro palavras que fizeram a frase mais terrível que eu já tinha ouvido.

"Olhe atrás de você."

Um respirar gélido deslizou pelo meu pescoço.

Por um momento eu congelei, mas o amor é um motivador poderoso. Se eu estivesse sozinho, o medo teria tomado conta de mim, tirando qualquer possibilidade de força da minha mente, mas Mary estava dormindo no mesmo quarto que a coisa; proteger alguém que eu amo daquela merda era a única coisa na minha mente.

Me virei lentamente e enquanto fazia isso, podia ouvir no ar um chiado ofegante, algo gemendo. Enquanto eu estava ainda me virando eu pude ouvir o cheiro da respiração, um cheiro de praga, um cheiro de morte pairava no ar. Então eu ouvi outra voz. Não era a voz daquele monstro, e sim a da Mary. Ela deixou sair um grito que me assustou e agoniou a minha essência. Um grito que vai me assombrar pro resto da minha vida.
Eu me virei rapidamente e pus meus olhos da coisa, mas não estava atrás de mim, estava na cama! A coisa se contorcia entre uma voz rouca, chiando de prazer, sua coluna vertebral curvada por dentro de um pano podre, rasgado e destruído, em uma vã tentativa de parecer um pouco humano.

Mas, era aquilo humano? Tinha alguma vez sido humano? Ou era algo tão vil, tão desprezível, tão completamente e dolorosamente desprezível que jamais nenhum homem ou mulher poderia decifrar?

Eu avancei à ele, agarrando-o, batendo e puxando aquilo com toda a minha força, a sua pele escorregando de minhas mãos. Ele apertou e forço o rosto de Mary no travesseiro com alegria. Com sua outra mão arrancando a camisola, com seus dedos longos e sedentos acariciando sordidamente o corpo nu de Mary.

Os gritos de Mary foram abafados pelo travesseiro e eu comecei a ficar com medo que ela estivesse se sufocando.

Eu berrei, eu gritei, eu implorei para que a coisa deixasse ela em paz, para que me pegasse, que fizesse o que quisesse comigo, mas isso apenas serviu para animar o demônio e que fizesse coisas piores. Ele estava machucando, cortando... minha linda Mary. 

De repente a coisa parou de atacá-la, mas ainda mantinha sua mão magrela e ossuda na parte de trás da cabeça de Mary, empurrando ainda mais seu rosto no travesseiro. Eu tinha minhas mãos em volta de seu pescoço pútrido, tentando fazer o melhor que eu podia para estrangular o animal, mas meus esforços eram em vão. A sua estrutura frágil desmentia sua força avassaladora. Eu assisti o maldito correndo os dedos pelo cabelo de Mary, lentamente, quase como se acarinhasse-a.

Eu podia ouvir o girar e o craqueamento de osso, o estalo de cartilagem, o estalido dos tendões.

Graças a Deus não estava vindo de Mary! Eu já estava nas costas da coisa, com o braço em volta da garganta dele, meu queixo esfregando contra a pele nojenta de seus ombro. Quando sua coluna cavou fortemente em meu estomago, a coisa torceu o pescoço de uma forma totalmente desumana. Seu pescoço deu estalo e ele gemeu sob a tensão de cada movimento,  como se estivesse impedido por mil anos de atrofiação.

Agora estava olhando diretamente para mim.

Eu aumentei meu controle, e xinguei, gritei, e eu teria arrancado sua garganta se eu pudesse, mas foi tudo em vão, já que continuava  a correr os dedos esqueléticos pelo cabelo de Mary, me olhando com grande indiferença.

Eu acho que nunca vou realmente me recuperar do som que foi proferido através  do que eu supus ser uma tentativa de sorriso, suspirando ofegante, grunhindo, algo que chegava bem perto de uma risada sinistra vindo de outro mundo.

Seus olhos começaram a me encarar profundamente quando nossos rostos se encostaram. Eu nem conseguia ver meu reflexo; Duas bolas de vidro, de um negro profundo, sem nenhuma luz, alegria ou amor. Estava me olhando como se desejasse falar algo, como se estivesse tentando me comunicar uma simples ideia.

Malícia.

Com um movimento violento e doloroso, arrancou um punhado de cabelo da cabeça de Mary, deixando uma ferida aberta atrás da cabeça dela. E em seguida ele sumiu. Mary não gritou, apenas choramingou.  Eu liguei a luz da cabeceira, mas nenhuma palavra de cuidado ou simpatia podia consolá-la.

Ela chorou incontrolavelmente.

A cama estava ensopada com o sangue que tinha escorrido dos cortes e arranhões de suas costas e da enorme ferida da cabeça de onde o cabelo tinha sido arrancado. Eu a abracei, falei que tudo ficaria bem; e então ela me olhou.

Olhando para seus olhos que estavam cheios de lágrimas, eu sabia de imediato no que ela estava pensando. Ela pensou que eu tinha a atacado, que eu tinha feito aquelas coisas terríveis com ela. De todas experiências que eu tive, o olhar traído, de desprezo e nojo no rosto de Mary será pra sempre o mais doloroso.

Ela foi embora.

Depois de se recompor, ela juntou algumas coisas e saiu. Eu tentei explicar, eu tentei contar tudo à ela, tudo que estava acontecendo, mas ela não quis me ouvir. Quem acreditaria em tal história absurda? Ela simplesmente disse que não iria chamar a policia, mas se eu tentasse entrar em contato com ela de novo, ela o faria. Para ela, eu era o agressor. Quando ela se foi, se virou para me olhar mais uma vez e se desfez em lágrimas.

Agora eu sei que a perdi para sempre. A mulher que eu amo mais que tudo nesse mundo pensa que eu sou um ser humano perturbado e violento.  Se ela pudesse apenas entender que a coisa que fez aquilo não era nem humana, e se um dia foi, tinha já deixado a muito tempo sua natureza.

Era cinco da manhã quando Mary foi embora; agora são nove horas. Eu estou sentado aqui na luz fria do dia na minha cozinha, escrevendo para que eu não me esqueça do que ocorreu, para que as pessoas entendam, para que Mary entenda, que seja lá o que aconteça, qualquer coisa que ocorra daqui pra frente, foi aquela maldita criatura da minha infância, daquele quarto estreito amaldiçoado que por todos esses ano tinha despejado sua miséria em mim; em nós.

Devo dispensar o sentimento agora. Eu poderia, facilmente, ficar sentando aqui de luto pela perda da minha relação com Mary, ou eu poderia me permitir a ficar com muito medo; não fazer nada. Mas isso não vai acontecer.

Eu posso ouvir a risada dos filhos do meu vizinho do lado de fora. El fases diferentes da minha vida, eu me lembro de ter o mesmo sentimento de felicidade e alegria de algo como simplesmente brincar com amigos, escalar uma árvore, beijar a mulher que eu amo, ou até mesmo cair no sono na cama para sonhar com algo bom, na segurança de uma casa de uma família feliz. Memórias, memórias... apenas lembranças. Temo que nunca vou poder ter essas experiencias de novo. Essa coisa me destruiu. Mas estou decidido. Seja lá o que esse desgraçado tenha guardado para mim, o que quer que seja suas intenções comigo., eu não vou permitir que essa coisa prejudique outra pessoa novamente, ou invadir a vida de outra criança, como tinha feito comigo a muito tempo atrás.

Devo ir agora, porque há muitas coisas que devo fazer antes do anoitecer, antes dele voltar. Meus planos tem de ser feitos e com alguma sorte eu espero que funcione. Eu gostaria de dizer que você lerá mais de mim em breve, mas acho pouco provável. Espero que você entenda que tem de ser feito.

Porque essa noite, eu vou matá-lo. 

HORA DE DORMIR (PT)7


A noite passada foi a mais comovente e assustadora da minha vida, tanto que eu mal consigo pensar nela direito. Agora eu vou escrever para vocês o que aconteceu durante a minha visita aquele lugar que um dia eu tinha chamado de lar; uma visita o qual marcou o retorno dos temores da minha infância. Mas não importava o que eu já tinha experienciado antes, nada poderia ter me preparado para aquela noite.

Depois de acordar com a visão arrepiante daquele soldadinho mordido no meio, eu vi que a janela do meu quarto estava entreaberta. Depois de uma inspeção mais de perto, parecia que a janela tinha sido forçada pelo lado de fora. As travas tinhas sido dobradas para trás, fora de sua posição original, como se tivessem sido puxadas com uma força bruta.

Pelo lado de fora da janela, eu podia ver três recortes onde o invasor tinha usado algum tipo de ferramenta para alavancar estranhamente a janela longe do fecho.  O que era peculiar a respeito dessas marcas é que elas pareciam atravessas o exterior da janela de uma forma irregular, como uma velha lâmina torta, e não como um pé de cabra ou qualquer outro instrumento que teria deixado apenas a marca reta e uniforme onde o dente da ferramenta teria se apoiado para forçar a janela.

Nada foi roubado e eu tentava pensar nas marcas como algo feito por mãos humanas, e não "marcas de garra" como elas pareciam ser na verdade. O soldadinho voltou para mim de uma forma tão violenta e inesperada, que eu não podia explicar de maneira alguma. Meu coração se afundou nos pensamentos que eu tinha a respeito disso.

Eu sabia que era uma mensagem, mas parecia mais como uma piada doentia, anunciando a volta do meu predador da infância, ao em vez de ser algo a ser solucionado ou interpretado.

Passei a manhã inteira checando cada quarto da minha casa e o que continham neles, e nada tinha sumido. Eu só esperava que seja lá o que aquele demônio estivesse fazendo no banco de trás do meu carro, fosse apenas para me assustar uma última vez, e depois seguir o seu caminho.

Talvez o seu poder fosse enfraquecido quando estava tão longe do meu quarto de infância.

É muito mais fácil para qualquer pessoa em sã consciência convencer-se de que algum evento traumático, na verdade, tinha sido algo mais benigno do que sua mente a tinha transformado, mas neste caso eu não podia; aquele brinquedo partido ao meio não era apenas uma piada, mas sim uma promessa. A promessa que ele iria retornar, o que eu não queria nem saber.

Meus pensamentos naturalmente se voltaram para dentro das noites terríveis que eu tinha quando criança. Eu estava agora reintroduzindo em minha vida o medo de dormir, o desejo da luz do dia, e a ansiedade em relação a noite. Como um velho inimigo implacável, o meu medo crescia  ao longo do dia, levando-me a pensamentos estranhos e sinistros, e consequentemente, involuntariamente trazendo a coisa para minha mente.

Não me entenda mal, o meu medo não era só em relação a minha própria segurança. Quando criança eu acreditava que o meu visitante noturno estava apenas querendo a mim, fixado a obcecação de me ter. Isso, no entanto, mudou.  Eu estava preocupado. Agora eu não sentia nada a mais a não ser medo pelos meus entes queridos, porque você vê, eu não moro sozinho.

Minha namorada e eu nos mudamos juntos a dois anos. Eu já tinha causei danos suficientes até agora, e então desejo não revelar o nome verdadeiro e vou me referir a ela simplesmente como "Mary".  Mary e eu tínhamos uma convivência feliz e, de fato, nós estávamos muito apaixonados. Na manhã de natal desse ano eu estava planejando em pedi-la em casamento,  mas esse belo momento tinha  agora sido amargamente arrancado de mim devido a essa abominação rancorosa.

Eu sabia que Mary estaria em casa naquela noite. Ela trabalha com eventos e promoções e isso faz com que ela muitas vezes fique longe de casa por muitos dias seguidos, viajando por todo o país, coordenando varias conferências e exposições. Eu não reclamo disso, como ambos sabemos que eu sou um cara meio solitário, e que os dias se solidão normalmente me fazem bem, permitindo-me  mergulhar a cabeça em meus textos, absorvendo cada palavra, sem distrações.

Apesar disso, eu sempre sentia falta dela, e com o que acontecera na semana anterior, revivendo aquelas noites tortuosas e permitindo que a tormenta, eu sentia mais falta dela do que já tinha sentido em toda minha vida.

Ela chegou por volta das 18h e eu a cumprimentei com um sorriso, um abraço e um beijo apaixonado. Eu tentei esconder meu estado de espírito perturbado dela, mas Mary me conhece melhor do que qualquer outra pessoa e imediatamente eprguntou:
"O que há de errado?"
Eu tropecei e me atrapalhei com as minhas palavras enquanto eu explicava tinha escrito uma história sobre a minha infância e que explorar aquelas memórias obscuras e torcidas tinha me deixado um pouco desnorteado. Mary tem uma natureza incrivelmente carinhosa e ela imediatamente colocou sua mala no chão e sentou-se no sofá, com seu jeito suave e gentil, me pediu para contar sobre meu sofrimento.

Mas eu não podia!

Eu não podia mencionar essa coisa, esse miserável que já tinha encontrado o seu caminho para nossa casa, um invasor invisível e maldito que tinha sido conduzido para lá por causa da minha maldita curiosidade! Na época, eu achava que ela iria me achar um louco, mas agora eu gostaria de ter dito a verdade.

Se há algo que prejudica uma relação mais do que a mentira, é a meia-verdade. Não porque é enganosa, mas porque é uma corrupção da verdade; pervertendo  e abusando o outro para a necessidade do que fala.

Eu contei a ela minha meia-verdade.

Eu disse a ela sobre minha história, a da coisa no quarto estreito e o observador na poltrona do outro quarto maior, mas é aí que a verdade acabou virando uma mentira. Eu deliberadamente sem dó, mencionei que era, claro, apenas minha imaginação de criança, e "esqueci" de falar a respeito de ter voltado à cena do crime. Sabendo que ela iria ver a trava da janela danificada e as marcas de garra, eu a contornei em uma mentirinha de ter acordado com um ladrão tentando roubar nossa casa, mas o tinha espantado.

Eu era mais ou menos um herói. Eu tinha mentido para ela, e ela mostrou muita simpatia e bondade para a minha decepção.

Eu estava constrangido pela verdade, e agora estou envergonhado da minha mentira.  Se eu tivesse sido verdadeiro, então provavelmente nós  poderíamos tem enfrentado o perigo juntos, mas em vez disso aquela coisa pegou vantagem da minha desonestidade e colocou uma barreira entre nós.
Os eventos da noite passada  profanaram a coisa mais importante no mundo para mim.

A noite chegou com toda sua frieza, e as sombras não era bem vinda. Eu estava deitado na escuridão, esperando. Mary dormia ao meu lado, o som do seu respirar soava como um lembrete de companheirismo, mas apesar da minha crescente aversão à solidão, eu não teria um minuto de sono se quer naquela noite.  Por experiência eu sabia que meu visitante obscuro iria aparecer, mas faria isso com incrível sutileza, aumentando seu controle sobre mim a cada visita, como se precisasse tempo para adquirir forças; uma alimentação sanguessuga perante meu medo.

Mantive meus nervos no limite da razão, que lutavam admiravelmente contra meu corpo caso eu começasse a cair no sono. Mas no final das contas, a biologia ganhou e com meu relógio digital de cabeceira mostrando 4:00 am, o sono foi me acolhendo, o cobertor do esquecimento me relaxando, a ansiedade de meu corpo foi sendo lavada... Fui afundando cada vez mais no colchão macio e, finalmente, e finalmente meu corpo achou o descanso que tanto precisava.

Dormir, não importa o quão profundo, raramente é abrangente. Enquanto eu pairava sobre a iminência de um sonho, algo começou a me incomodar. Algo invasivo, mas ainda assim distante. Eu lentamente abri meus olhos que foram se ajustando na escuridão. Mary estava profundamente adormecida e me acalmei por ouvir sua respiração. O inalar foi seguido pelo exalar, de novo e de novo, ritmicamente, hipnoticamente, e comecei a aproximar-me do sono mais uma vez.

Mas, não. Havia algo a mais, outra coisa, distinta mas ainda assim indefinida.

Era um som distante, fora de órbita, obscurecido, quase como sufocado como se viesse de trás de... algo. Eu me concentrei, na tentativa de definir o que estava ouvindo, mas tudo estava muito tranquilo. Fiquei na cama por mais alguns minutos, mas a cada segundo que passava esse som quase inaudível continuava roçando em mim, como vidro quebrado em um nervo exposto.

O sono agora tinha sumido, e com muita frustração e mesmo relutante, eu decidi investigar a origem do ruído. Sentei na cama e ouvi atentamente. Era diferente de qualquer outra coisa que eu já tinha ouvido em minha vida. Silencioso, baixo, mas minha mente foi se ajustando para lentamente remendar a natureza do som. Estava certamente obscurecido por algo, mas a coisa mais próxima que eu conseguia relacioná-lo era a um... sopro repetitivo.

Eu me virei para checar Mary, vendo seu tórax levantar e baixar durante a respiração. Sabendo que ela estava intacta e bem, eu sai da cama. Quando me levantei, reconheci que o som agora estava mais alto. Mesmo no escuro, um feixe de luz vinha do corredor, pois eu sempre deixava a luz de fora do quarto acesa para que passasse por debaixo da porta, deixando assim o quarto mais visível.

Olhei em volta para ver se algo estava fora do lugar, mas tido parecia intocado. Minha mente vagou pelas minhas lembranças infantis no segundo quarto, quando o som podia ser ouvido vindo de uma ameaça invisível, porém presente.

Eu dei um passo pra frente e com isso, mais uma vez o volume do som aumentou. Enquanto eu ainda estava tentando decifrar as palavras murmuradas, eu agora conseguia ouvir a índole da voz. Era velha, arranhada pela idade em alguns aspectos, com um tom gutural. As palavras foram sendo repetidas em um ritmo que parecia ser frenético e ansioso, ainda abafada por uma barreira desconhecida.

Eu estava amedrontado, mas tirei forças por conta de Mary estar no quarto, e com a respiração trepidante, dei mais um passo lento e silencioso para frente, meus pés descalços amortecidos pelo chão frio.


De novo, a voz se tornou mais alta. Eu não estava certo se estava imaginando isso, mas eu podia jurar que aquilo ficava mais agitado enquanto eu me aproximava. O próximo passo que eu dei, sacudiu o meu próprio âmago, pois o que antes era um murmúrio de uma voz ilegível ficou mais alto ainda, entre as divagação de som que aquilo fazia, eu ouvi uma palavra. Uma palavra que me atingiu geladamente e fez meus ossos tremerem. Uma palavra à temer.

Aquilo falou o meu nome.