terça-feira, 11 de junho de 2013

o casarão

Cinco contra cinco. Esta era uma das únicas regras que deveria ser cumprida para os garotos do bairro jogar futebol na rua todos os sábados à tarde. A outra era uma regra comum que qualquer grupo de crianças sempre estabelecia: quem chuta longe é quem pega. Normalmente apareciam entre quinze e vinte garotos para jogar, o que garantia uma boa diversão, e os jogos só terminavam nas primeiras horas da noite. Mas naquele sábado terminaria mais cedo.

A rua em que jogavam era sem saída, bem estreita, com poucas casas, alguns carros sempre estavam estacionados por lá e a rua terminava no muro de entrada de um antigo casarão abandonado. Era, sem dúvida, o melhor lugar do bairro para se jogar.

A tarde já estava chegando ao seu fim, o Sol já ia se pondo, embora o dia ainda estivesse claro, quando Leonardo chutou a bola forte demais e pelo som de vidro se quebrando foi possível saber que ela havia ido parar no pior lugar em que poderia. Havia ido parar para dentro do antigo casarão, que tinha a fama de ser “mal-assombrado” por muitas pessoas na cidade porque estava abandonada por mais de trinta anos, mas regras são regras, portanto quem chutou é quem pega, e não seria por causa de uma simples casa abandonada que impediria Leonardo de cumpri-la, mesmo que ainda fosse um garoto de apenas treze anos.

Chegou até o muro, o qual não teve nenhuma dificuldade em subir pelo fato de ser pequeno, e assim pôde analisar como realmente era a casa: Tinha um grande espaço, onde provavelmente já fora um jardim pelos vestígios antigos que davam a entender sobre isso, o casarão possuía dois andares, com cinco janelas no segundo andar, sendo que uma delas estava quebrada por causa da bola, e mais seis no primeiro, a porta era grande, mas como já era velha não teria problemas em abri-la, por fora o casarão estava todo rachado e coberto de folhas. Se parecia com uma antiga casa de algum filme barato de terror e agora entendia o porquê da fama que possuía de ser mal-assombrada e se sentiu um pouco intimidado, mas nada que iria lhe impedir de entrar lá.

Desceu do muro e começou a andar pelo terreno a caminho da porta, mas enquanto caminhava jurava que alguém o estava observando, o que confiava que era apenas fruto de sua imaginação. Chegou até a porta e sentiu que a madeira fedia muito, pelo fato de ser muito velha, mas foi o que facilitou a entrada de Leonardo, que precisou dar apenas um chute nem tão forte para derrubá-la e entrar no casarão.

Entrou na sala principal e viu que ela estava toda mobiliada, com dois sofás, um grande relógio de ponteiro encostado na parede e uma pequena televisão, que parecia ser mais antiga do que a própria casa, em cima de uma pequena mesa, mas o que realmente surpreendeu Leonardo foi ver que a televisão estava ligada em algum antigo canal preto e branco e sem som, e o relógio também estava funcionando corretamente. Mesmo que fosse estranho, parecia muito que alguém morava lá.

Sabia que precisava chegar ao segundo andar e pegar a bola, por isso passou pela sala seguindo em frente até chegar à cozinha e começou a sentir medo pela primeira vez desde que entrou naquele casarão. Havia uma mesa arrumada com cinco cadeiras em volta, mas em cima dela estava uma faca própria de cozinha ensangüentada próxima à beirada da mesa, o que fazia o sangue pingar no chão e já havia uma pequena poça formada logo abaixo e a partir da poça se seguia uma trilha de sangue, como se algo houvesse sido arrastado pelo chão. Leonardo começou a seguir a trilha andando rapidamente, mas ainda não chegava a correr. 

A trilha levava até a escada que dava para o segundo andar e ainda continuava. Àquela altura Leonardo nem se lembrava mais o porquê estava lá, não queria nem mais continuar aquele jogo de futebol com seus amigos, estava hipnotizado por aquela trilha, sentia que algo lhe forçava a segui-la.

Hesitou um pouco quando chegou ao pé da escada, mas precisava subir, precisava saber aonde aquilo o levaria, então começou a subir os degraus, um por um, tomando o cuidado para não sujar seus tênis nas pequenas poças de sangue que cada degrau continha, afinal, usava aquele tênis já havia três anos e era de longe o seu preferido, mas naquele momento não pensava em nada, muito menos no tênis. Chegando ao segundo andar se deparou com um pequeno corredor com quatro portas, duas de cada lado e uma na reta no final. Leonardo já estava confuso e perdido demais, pois não sabia qual porta entraria primeiro, pois a trilha de sangue levava para todas as cinco portas.

Ficou parado por alguns instantes diante das portas e se deu conta do por que estava lá, se lembrou de que deveria buscar a bola e daria o fora daquele lugar o mais rápido possível. A bola estava em uma das portas, mas não sabia qual e não queria entrar uma por uma com medo do que poderia estar atrás delas.

Pensou por mais alguns segundos e optou por tomar a decisão menos favorável: iria entrar porta por porta até achar a merda da bola que já havia lhe trazido muitos problemas para um dia. Deu dois passos e entrou na primeira porta da direita. Era apenas um quarto, com uma cama simples em um canto e um armário no outro. Saiu e foi para a primeira porta da esquerda, que era apenas um banheiro, pelos menos já havia sido um algum dia, pois não havia nenhum “móvel” lá, foi apenas uma dedução.

Andou mais três passos e entrou na primeira porta da direita e quase começou a gritar como uma garota. Havia uma cama de criança encostada na parede, um pequeno armário e uma caixa de brinquedos no centro do quarto, e sentado à frente da caixa estava uma criança que aparentava ter entre quatro e cinco anos, usando uma roupa que era possível saber que pertencia a algumas épocas atrás. Estava sentada segurando um pequeno boneco e levantou o rosto lentamente para Leonardo, mostrando um sorriso perturbador, que combinava pelo fato de ser o espírito de uma criança. Mesmo com treze anos era possível raciocinar sobre isso, não era nada muito difícil. Quando o garoto começou a se levantar lentamente, ainda com o mesmo sorriso no rosto como se quisesse um companheiro para brincar, Leonardo saiu desesperadamente pela porta ouvindo um riso macabro que o garoto passou a emitir e entrou na porta do lado esquerdo, ao invés de ir embora, o que foi outro erro.

Desta vez o cômodo era um banheiro completo, com uma grande banheira que estava cheia de água misturada com sangue, e quem estava dentro era um homem, que parecia estar na casa dos quarenta e estava com uma expressão facial de quem sentia muita dor e gemia muito alto, quase gritando de dor, e Leonardo constatou que o homem realmente estava sofrendo quando ele levantou da banheira com o corpo nu e repleto de cortes que faziam sangue sair em grande quantidade de seu corpo, e ele iria atrás de Leonardo, assim como o pequeno garotinho também estava.

O tempo estava acabando, o gemido do homem misturava-se com a risada do garoto, fazendo um som que penetrava até o fundo do cérebro de Leonardo, e ainda restava uma porta para verificar. Entrou pela última porta quase a arrombando, embora não tivesse força para isso, mas o desespero que sentia era maior que tudo, e a bola estava lá. A maldita bola havia de fato quebrado a janela e parado no centro de outro pequeno quarto, com os pedaços de vidro espalhados ao redor. Rapidamente a pegou-a e voltou ao corredor para descer as escadas. 

Chegou à entrada da porta e o pequeno garoto e o homem estavam agora parados na porta de seus respectivos cômodos, mas ainda faziam os sons aterrorizantes que deixavam Leonardo na beira de um choro desolador. Carregava a bola debaixo de seu braço direito e, com toda agilidade que um garoto de sua idade possuía, abaixou a cabeça e saiu em disparada na direção da escada, sentindo uma tentativa de puxão em seus braços quando passou pelos espíritos.

Desceu as escadas pulando alguns degraus e já não estava mais se importando se sujaria seu tênis ou não, tudo o que queria era sair daquele inferno mental o mais depressa possível. Passou pela cozinha e viu que não havia mais nenhum sangue em cima da mesa e quando passou pela sala não havia mais nada, era apenas um grande cômodo vazio, mas ainda ouvia a mistura do riso e do gemido.

Estava correndo sem parar e subiu o pequeno muro se preparando para sair de lá, deu uma última olhada para trás e pôde ver em uma das janelas do andar de cima a imagem do homem sofrendo ensangüentado e na porta da sala viu o garoto, com o mesmo sorriso e segurando o mesmo boneco. 

Leonardo sentiu um frio lhe subir até a nuca e como ainda estava Sol, voltou para a rua terminar a partida daquele final de semana, afinal, após todo o esforço para recuperar a bola o mais justo seria pelo menos terminá-la.

Nenhum comentário:

Postar um comentário